O pedido de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), apresentado nesta segunda-feira (9) no Senado por deputados e senadores da oposição, detalha uma série de justificativas acumuladas ao longo de mais de cinco anos, desde a abertura oficial do inquérito de notícias falsas.
Além de bloquear a plataforma X no Brasil, o documento também acusa o ministro de uso irregular do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para fins de perseguição política.
A petição elaborada pelo senador Eduardo Girão (Novo-CE) e entregue ao presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), aborda 14 tópicos que embasam a possível abertura de um processo inédito para afastar um ministro do Supremo Tribunal Federal.
Em todos os argumentos, o foco recai sobre supostas arbitrariedades que violariam direitos fundamentais garantidos pela Constituição e pelas leis ordinárias.
Ao receber o grupo, Pacheco argumentou que analisaria o pedido de forma imparcial, técnica e considerando critérios políticos, mas destacou que a posição do Senado em casos como esse é “muito difícil”.
“A posição do Senado, os colegas senadores devem concordar, é sempre uma situação delicada, muito difícil, em que a tomada de decisão não necessariamente parte da vontade pessoal ou da percepção pessoal de quem ocupa aquela cadeira”, disse Pacheco aos parlamentares.
No total, 156 deputados apoiam o documento, que também foi assinado pelo jurista Sebastião Coelho. Por questões estratégicas, nenhum senador assinou o requerimento para que não fossem vistos, além de parte interessada, como impedidos de também serem juízes de Moraes. Pacheco disse que a Assessoria Jurídica do Senado analisará o requerimento. “A decisão, seja ela qual for, será bem fundamentada”, afirmou.
Oposição defende retorno do equilíbrio entre Poderes
O senador Rogério Marinho (PL-RN) disse que o ponto principal do pedido da oposição é o equilíbrio entre os Poderes. “Ele [Moraes] “Ele se coloca como defensor da democracia, como se a democracia fosse de um indivíduo e não da sociedade brasileira. O Brasil está de cabeça para baixo, esse desequilíbrio ameaça a democracia”, disse Marinho em entrevista coletiva após o encontro com Pacheco.
Para Marinho, “a Justiça está agindo de forma política, e a lei precisa ser aquela que defende a mim e ao meu inimigo”. “A Constituição precisa ser erguida como um escudo, como uma defesa da sociedade brasileira”, destacou.
Na mesma linha, o deputado federal Marcel Hattem (Novo-RS) argumentou que o país precisa de equilíbrio. “O Senado da República já tem 32 senadores que se declaram abertamente favoráveis ao impeachment de Alexandre de Moraes. Resta muito pouco tempo para que a verdadeira justiça seja feita e para que tenhamos um reequilíbrio de poderes no Brasil”, disse o deputado.
O senador Magno Malta (PL-ES) defendeu a liberdade de imprensa. “O STF não pode mirar a liberdade de imprensa”, disse Malta. Ele chamou Moraes de “CEO de uma cooperativa de pervertidos”. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) afirmou que há “ocasiões flagrantes do ministro Alexandre de Moraes cometendo crimes de responsabilidade”.
Os pontos que sustentam o pedido
Organizado por temas, o extenso documento aborda questões como violações de direitos constitucionais e humanos, desrespeito ao devido processo legal e ao sistema acusatório, além de casos caracterizados como abuso de poder. Durante a coletiva de imprensa, o jurista Sebastião Coelho, que assinou o documento, afirmou que o pedido protocolado “reúne todos os requisitos para ser admitido, processado e julgado admissível”.
“Estamos lidando com liberdade, separação de poderes e abuso de poder que devem ser interrompidos imediatamente”, frisou. Para o ex-juiz, “bastava a denúncia feita pelo jornal”. Jornal S. Paulo“sobre a troca de conversas entre assessores de Moraes para que o impeachment fosse aceito. “Temo provas materiais de crimes que poderiam até caracterizar uma organização criminosa”, disse Coelho sobre as revelações de Folha.
O pedido trata especificamente da suposta omissão de Moraes no episódio que resultou na morte de Clériston Pereira da Cunha, conhecido como Clezão, em 20 de novembro de 2023, no presídio da Papuda, em Brasília, mesmo após diversas advertências da defesa do réu em 8 de janeiro e do Ministério Público sobre seu grave estado de saúde.
Em situações semelhantes, também são apontadas violações ao Código de Processo Penal com o uso da prisão preventiva como meio de coação para obtenção de delação premiada e desconsideração de pareceres do Procurador-Geral da República (PGR) que defendeu a liberdade dos presos do dia 8 de janeiro.
A negação de prisão domiciliar ou liberdade provisória a indivíduos com graves problemas de saúde, a prorrogação excessiva de prisões preventivas sem que o Ministério Público Federal (MPF) apresente denúncia e as reiteradas violações às prerrogativas dos advogados, especialmente no caso de réus condenados pelos protestos na Praça dos Três Poderes, são vistas, inclusive, como uma afronta à legislação vigente.
Como promotor, juiz, executor de penas e até parte no processo, Moraes também impôs a cassação de direitos políticos de parlamentares no exercício de suas funções, como nos casos do deputado Daniel Silveira e do senador Marcos do Val. O pedido de impeachment contra Moraes também menciona outros casos de monitoramento e controle de perfis de usuários conservadores em redes sociais.
As queixas apresentadas pelo relatório de Jornal S. Paulo sobre o uso indevido de recursos tecnológicos pelo TSE para subsidiar investigações do STF com a produção de relatórios paralelos reforçam um conjunto de evidências que foram reveladas pelo Twitter Files Brasil e um relatório do Congresso americano que tornou públicas diversas decisões de Moraes e ministros do TSE, emitidas logo após as eleições de 2022.
No último tópico, o documento aborda o caso Twitter Files Brasil e suas consequências, envolvendo o confronto entre Moraes e o empresário Elon Musk, dono da plataforma X e da Starlink.
As acusações incluem, além do desligamento do X que afetou 22 milhões de usuários, o bloqueio de contas bancárias da Starlink para pagamento de multas impostas à plataforma e supostas ilegalidades no processo de intimação, por meio de postagem na própria plataforma. Por fim, a aplicação de multa desproporcional de R$ 50 mil a quem utilizar VPN para acessar o X é descrita como reprovável.
Avanço do impeachment contra Moraes dependerá da política
Com uma justificativa abrangente e vários exemplos, a expectativa é que o processo não seja visto como precipitado ou superficial. Apesar disso, os parlamentares entendem que o andamento do impeachment contra Moraes dependerá mais do contexto político do que da força técnica e jurídica das alegações.
Pacheco enfatizou que a posição do presidente do Senado é muito mais ampla, o que “pressupõe institucionalidade e busca de estabilidade”. Ele disse ao grupo que decisões, como a abertura de processo de impeachment contra um ministro do Supremo Tribunal Federal, devem ser tomadas com “bases técnicas, jurídicas e, obviamente, com critérios políticos”.
“Nunca houve impeachment de ministro do STF no Brasil ao longo da existência do Senado, da Câmara dos Deputados e do STF. Pressupõe naturalmente uma avaliação técnica, mas há também um critério político”, destacou.
O senador afastado Eduardo Girão (Novo-CE) disse que “não há como o Senado fechar os olhos” ao pedido de impeachment, pois seria uma “desmoralização sem precedentes”.
“Não há mais ânimo para votar nenhuma outra matéria nesta Casa. O clima está contaminado, chegamos ao fundo do poço. Ou nós, juntos, de forma ordeira e pacífica, defendemos a Constituição ou teremos uma ditadura avançando de tal forma que o futuro dos nossos filhos e netos será insustentável”, completou Girão.
Da mesma forma, o senador Marcos Rogério (PL-RO) argumentou que o Senado deve cumprir seu “papel constitucional de coibir abusos ou esses abusos comprometerão ainda mais a democracia”.